Um dos questionamentos mais comuns, e talvez até mesmo o questionamento que menos possui uma resposta satisfatória é o questionamento do lugar, função, necessidade e objetivo da pauta LGBT+ dentro da empresas. E não é que a resposta desses questionamento seja complexa, mas é uma resposta que navega em muitas camadas da mente humana e da sociedade.
Navegue comigo por essas camadas e entenda melhor.
Em primeiro lugar precisamos estabelecer de forma clara as relações de poderes sociais, onde a aparência dominante é a de um homem branco, cisgênero, heteronormativo e sem deficiência. Ou em língua popular, um “homem normal", tendo em vista que o “normal” é ser branco, o “normal” é ser cisgênero, o “normal” e não ter deficiência e o “normal” de ser homem é o padrão heteronormativo.
Essa visão do que é percebido como normal é a principal forma de se estabelecer o poder porque é algo que soa aos nossos ouvidos como familiar e correto, afinal ninguém quer “anormalidades” nas suas vidas.
Esse grupo que se senta com semelhantes que espelham essa tal “normalidade” encontram nesses reflexos de si mais afirmações de que são mesmo modelos, referências. Óbvio que isso acontece dentro de uma ótica Narcísica, diga-se de passagem.
Desta primeira camada se desdobram outras “dimensões", como o sexismo, o racismo, a LGBTfobia, o capacitismo e muitas outras trágicas possibilidades de pensamentos e atitudes.
Mas antes de chegarmos na pauta LGBT+ precisamos passar por um dos aspectos mais fundamentais da existência humana: a sexualidade.
Considere neste momento utilizar seu pensamentos de forma adulta para lembrar que sexualidade é algo diferente de sexo. Aqui estamos falando de sexualidade como uma das áreas de estudo da Psicologia.
Quando entramos nas dinâmicas psicológicas da sexualidade o principal fator também é o de dinâmicas de poder, e desta forma vamos pegar o indivíduo que seja acha superior por se reconhecer como “normal” e somar eles com seus aprendizados psicológicos sobre a sexualidade, aqui englobando comportamentos, pensamentos, ideais, fantasias (não necessariamente sexuais, mas de vida) e então iremos encontrar um padrão de aprendizados (e comportamentos) que se baseia em manter a superioridade de si e de seus semelhantes e de subjugar outros para seu proveito.
De uma forma mais direta, esse homem que se vê no reino da perfeita normalidade irá olhar para homens negros e ver neles uma inferioridade. Não serão tão bonitos, nem sucedidos, nem inteligentes e etc. O mesmo se aplica em homens mais jovens ou mais velhos, em homens com deficiência, em homens mais pobres, homens que não sejam lidos com uma estética digna na visão deles. Mas o mesmo não acontece com pessoas LGBT+. Aqui vamos entrar em outra camada: Mulheres.
Essa visão de normalidade adotada por esse grupo possui uma classificação extremamente rígida do que é uma mulher, quais os papéis de uma mulher, quais as capacidade de uma mulher e etc. Por isso para eles as dinâmicas entre homens e mulher são marcadíssimas: servir e seduzir. Infelizmente é o que a esmagadora maioria dos homens pensam e agem como tal.
Isso faz com que exista uma divisão na realidade, tal qual um multiverso onde um homem fala uma coisa que pra ele é uma piada boba, leve e sem má intenção e cruzando a fenda do multiverso essa fala chega ao ouvido de uma mulher que se apavora com a fala, se sente ameaçada e insegura. É claro que essa ilustração de fenda no multiverso é apenas uma forma de desenhar o que é a linha da dinâmica de poderes entre gêneros.
Assédios e abusos são cometidos regularmente, em casas, mercados, escolas, universidades, hospitais, empresas e ainda assim são tratados quase sempre de forma ridicularizada. Aqui novamente apresento dinâmicas de poder. O homem PODE fazer, PODE negar, PODE dizer que “quem me conhece sabe” e PODE ir pra sua casa descansar. Isso é Poder. Coisa que o lado das mulheres claramente não possui.
E é aqui que entramos em mais uma camada, desta vez a LGBT+.
Apesar de poucas pessoas terem tido esse insight, a comunidade LGBT+ é vista como um exagero do feminino. Inclusive por isso herda tantos exageros de violências, como uma forma de compensação.
Pense comigo: Um homem gay é visto como? Um homem que quer ser mulher. Um homem trans é visto como? Uma mulher que não quer aceitar que é mulher. Uma mulher lésbica é vista como? Uma mulher que só não encontrou a “pegada certa” pra aceitar como se deve ser mulher.
Os exemplos são muitos, mas todos sempre apontarão de forma cirúrgica para as relações de poder de gênero.
Lembre-se que dinâmicas de poder não são criadas ou influenciadas naturalmente, elas são propositalmente pensadas e executadas.
Vamos descer em mais uma cada e entrar nas empresas.
É interessante ao grupo que sempre esteve no poder que exista um política severa de combate ao assédio sexual de mulheres?
É interessante que uma pessoa LGBT+ sente na mesma mesa onde cada um é um reflexo aparente do outro?
É interessante que outros além do grupo dominante tenham poder?
Pense no poder como um quantia em dinheiro que já foi acordada entre o grupo, cada um sabe sua parte e como pode usar ela. Agora pense que sempre que alguém ganha poder fora do grupo é como se esse dinheiro fictício fosse realocado. Ninguém ganha poder sem que alguém perca poder.
Não curiosamente que as respostas das perguntas anteriores se resumem em grandiosos NÃOs.
Esse é o motivo pelo qual a pauta LGBT+ é tão estranha, aparenta tamanha falta de necessidade para a maioria das pessoas. Principalmente porque essa pauta não existe sem a pauta de gênero, e a pauta de gênero não anda enquanto não for devidamente debatida em todos os seus ângulos.
A pauta LGBT+ é uma ameaça à ordem das coisas. Assim como falam na sociedade “normal” falam nas empresas.
Uma pauta que aborda tanto o tema de sexualidade é um tabu difícil de ser digerido. Mas observe que a sexualidade só é tabu quando é a do outro. Quando a paquera vira assédio, não é tabu. Quando piadas de cunho sexual são feitas, não é tabu. Quando uma pessoa trans é atacada na empresa, não é tabu. Nesses momentos a sexualidade é um pilar das certezas.
Agora vamos atravessar o limiar para nossa camada final.
Com tudo o que pensamos juntos até aqui, quantas ações do mês do orgulho LGBT+ você viu, quiçá apenas ouviu falar, que abordaram a criticidade desses temas? Quantas soluções reais você viu florescer no Jardim de Junho?
Essa camada final que acabamos de entrar é a camada da falta de preparo.
Nos falta preparo para saber debater tais coisas, nos falta preparo para saber questionar de forma crítica, para elaborar as rotas do problema e acima de tudo elaborar as rotas de possíveis soluções dos problemas.
Trabalhar o tema de diversidade não pode ser limitado em palestras simples, em posts coloridos, em patrocínios para o que é bonito. Trabalhar diversidade tem que ser sobre trabalhar o que é feio de uma forma que seja possível criar algo que seja realmente bonito para todas as pessoas.
Enquanto o padrão de resposta aos temas de diversidade não forem igualmente complexo aos problemas, não existe chance de progresso.
E com a falta desse progresso, as pautas perdem força porque parecem vazias, rasas e acima de tudo com baixo ou nenhum tipo de resultado.
Esse texto não é um ataque para ninguém, é um fria leitura da realidade. O alvo desse texto é o Nós em todas suas extensões, porque a falha apesar de não ser de igual peso para todas as pessoas ainda é coletiva.
E aqui deixo uma última declaração da fria realidade: Nunca vivemos em uma realidade tão apta para debater e criar soluções para os temas de diversidade, mas esse tempo não é eterno. Uma vez que esse ciclo se encerra, nada se mantém neutro; só existe avançar ou retroceder.
A sociedade se provou muito capaz de retrocessos.
Agora é nossa vez de nos provarmos capazes de um verdadeiro progresso.
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